Por Hermano P. de Moura e Paulo R. F. Cunha
Passada a eleição presidencial no Brasil, e num momento histórico singular para o país, cabe fazer uma reflexão sobre a escolha de líderes acadêmicos (reitores de universidades ou diretores de faculdades). As universidades – em especial no Brasil, onde a grande maioria da pesquisa, desenvolvimento e inovação é realizada nessas instituições – são organizações que fazem parte de um setor de uso intensivo do conhecimento, portanto, são estratégicas na era da informação.
A universidade tem três núcleos de atuação: ensino, pesquisa e extensão. O ensino inclui basicamente formação de pessoas (capital humano): cursos de graduação, cursos de pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado) e cursos de curta duração (dentro das atividades de extensão). As pesquisas são realizadas por meio de desenvolvimento de trabalhos científicos, através de projetos realizados por professores, pesquisadores e alunos, muitas vezes envolvendo parceiros externos como indústria ou governo. Todas essas atividades, de forma geral, contribuem para o avanço da ciência, da inovação e do conhecimento humano.
A qualidade da pesquisa é fator determinante comum encontrado nas melhores universidades e tem forte influência na receita da universidade: instituições que produzem pesquisa de maior qualidade recebem uma fatia maior de recursos financeiros públicos e privados. Em países com tradição de doações feitas por pessoas físicas e ex-alunos esse também é um fator fortemente influenciador.
Apesar de existir uma vasta literatura sobre a produtividade em pesquisa de universidades, pouco tem sido estudado em relação a como diferentes tipos de líderes podem influenciar o desempenho dessas organizações. Naturalmente, o sucesso de um reitorado pode depender de vários fatores. No entanto, reitores e suas administrações podem comprometer, principalmente no médio e no longo prazo, esse desempenho. Amanda Goodall publicou recentemente, na prestigiada revista Research Policy, trabalho que relaciona a excelência acadêmica dos seus líderes (como pesquisadores) e o desempenho das universidades geridas pelos mesmos. Ela defende, através de uma pesquisa quantitativa e outra qualitativa, a hipótese de que existe uma relação positiva entre o passado de pesquisador de um reitor e o sucesso futuro da instituição gerida pelo mesmo. Trocando em miúdos: um gestor bem posicionado e reconhecido na sua área de pesquisa afetará positivamente o desempenho da universidade gerida pelo mesmo, no presente e no futuro. Amanda Goodall procurou explicações para sua hipótese através de entrevista com 36 líderes de instituições americanas e inglesas. A seguir apresentamos, brevemente, sua análise que foi baseada em quatro explicações.
Credibilidade do Líder. Um líder deve ter credibilidade junto a seus seguidores. No contexto da universidade, um líder realizado academicamente comunica-se melhor com professores e, portanto, compartilha com seus liderados um conjunto de valores e prioridades. Como disse um dos entrevistados por Amanda Goodall, “se o presidente (reitor) é um acadêmico ele tem um senso melhor da cultura acadêmica e é percebido como tendo melhor condição de criar um bom clima organizacional para os acadêmicos”.
Conhecimento Especializado. Líderes com passado acadêmico reconhecido entendem muito bem as áreas de atuação da universidade. Esse conhecimento especializado, fruto da sua própria experiência acadêmica, permite que eles desenvolvam melhores estratégias organizacionais, pois entendem os modus-operandi da universidade melhor do que gestores sem esse passado acadêmico. Entre 1992 e 2001, as melhores universidades britânicas (as 10% no topo da lista) eram lideradas por pesquisadores reconhecidos nas suas áreas. Mais do que infraestrutura física, é a competência do conjutno de professores que faz a diferença em relação a qualidade de uma universidade. Reitores com forte passado acadêmico possivelmente colocaram como prioridade contratar professores de grande reconhecimento acadêmico para as suas instituições.
Definidor dos Padrões de Qualidade. Estabelecer os padrões de qualidade acadêmica é uma das atribuições de um reitor. Se o próprio reitor não atende esses padrões fica mais difícil para o mesmo fazer com que estes padrões sejam atendidos. Como disse um diretor de uma faculdade americana: “Líderes são os árbitros finais da qualidade. Portanto é correto esperar que o definidor dos padrões seja o primeiro a atendê-los”.
Efeito Sinalizador. A escolha de um pesquisador reconhecido como líder de uma universidade sinaliza, para atores internos e externos, seu posicionamento estratégico em relação a excelência de sua pesquisa e dos seus valores. Em particular, essa mensagem pode ser importante para financimentos, ex-alunos e relacionamento geral com a sociedade.
É importante destacar que o líder especialista na sua área de pesquisa deve ter conhecimento também em outras áreas, como gestão e habilidades de liderança. Também não se pode assumir que um pesquisador de grande sucesso será um gestor de sucesso.
Finalmente, em um contexto tão importante para o Brasil e de uma responsabilidade crescente da universidade com o desenvolvimento da sociedade, é preciso analisar com clareza o perfil de cada candidato a reitor, levando em conta seu passado acadêmico, outras características desejáveis e os desafios de cada instituição.
» Hermano P. de Moura e Paulo R. F. Cunha são professores do Centro de Informática da UFPE
Comentários desativados